Rafael Hanuman

AMLO, presidente do México, o Lula mexicano, segue mais-ou-menos o roteiro de Lula ao deixar uma sucessora como primeira presidente mulher daquele país. Entretanto, o faz 14 anos depois, com um mundo diferente, e podendo aproveitar a experiência dos progressistas anteriores.

A reforma que deixa em andamento é o da eleição para juízes. Lembremos que recentemente Elon Musk comunicou que não iria respeitar as decisões de Alexandre de Moraes, juíz que não foi eleito, como se Musk fosse o maior defensor das democracias no mundo, e não um promotor de golpes de Estado.

Supreendentemente, a decisão de AMLO, de reformar o judiciário com essa submissão a eleições revolveu os cadáveres do poder estabelecido em seus caixões. Chegou ao ebaixador dos EUA no México v ir a público dizer que era contra, e que isso iria gerar corrupção na Suprema Corte daquele país vizinho.

Então pensemos, se a integridade do Supremo Tribunal Mexicano defendida pelos EUA, for do mesmo tipo da democracia dos países defendida por EUA, já podemos entender que vem coisa boa por aí no México. AMLO simplesmente disse que apresentassem suas contestações por escrito, esclarecidas, para avaliação geral.

Mas isso, sabemos que não ocorrerá. Se não fosse a corrupção do sistema judiciário brasileiro, a presidente Dilma Roussef nunca teria sofrido impeachment, nem o então candidato Lula teria sido afastado das eleições que elegeram Jair Bolsonaro presidente do Brasil. O sistema judiciário é um caso à parte de corrupção.

Enquanto a corrupção política é pontual, ou seja, são corrompidos alguns políticos dependendo de seus poderes de persuação popular, os mesmos podendo ser abandonados posteriormente, como no caso de Fernando Collor de Melo, a corrupção do judiciário é estrutural. E é estrutural porque é mais antiga. É uma corrupção que rompe gerações.

Tais quais os militares, a casta dos juízes vem de longo tempo no passado e obedece a leis próprias. Frequentemente seus quadros são preenchidos por membros de sociedades secretas. É uma casta coorporativa, elitista, e não é todo mundo que pode penetrar nela. Qualquer renovação é feita com jobvens que mantém as mesmas regras, e não renovam nada.

O argumento de AMLO é de que um bacharel em direito, pelo sistema atual, se não tiver certas relações de proximidade com os juízes atuais, não podem chegar sequer a sonhar em se aproximarem da Suprema Corte daquele país. Ao contrário, se um bacharel for filho de um juíz da Suprema Corte, logo terá as portas abertas para que tal também ocupe um cargo ali. Essa corrupção vem do tempo dos reis. O que faz um juíz? Julga, evidentemente. E julga baseado nas leis. E quem fazia as leis antes das repúblicas? Os reis. Os juízes, portanto, eram sempre de famílias alinhadas com o pensamento e interesses dos reis. Um membro do proletariado tendería a julgar, não em favor dos reis, mas em favor do bem do povo. Tal juíz não seria tolerado.

A justiça do tempo dos reis consitia em agradar aos reis. O que era justo e perfeito era a vontade do rei estar sendo agradada perfeitamente. E todo mundo sabe no que resultou passar da justiça romana para a justiça dos reis: a europa entrou na Idade das Trevas, terminaram as estradas calçadas, os banheiros públicos, a água encanada, os edifícios de vários andares, os órgãos e representantes públicos.

Pela mudança de conceito de justiça pública para justiça real, as pessoas voltaram a morar em casas de pedras empilhadas cobertas de palha, desaprenderam a ler e escrever, até que uma pandemia varreu dois terços da europa. Culpados os reis? Nunca. A culpa estava na existência dos diabólicos muçulmanos que residiam a milhares de quilômetros dali, segundo a igreja cristã (outro câncer no seio das sociedades ocidentais).

Com o advento das revoluções republicanas, da ciência, e das democracias, foi elaborada um sistema de redução de danos pelos reis, que consistia na pirâmide. A solução era fazer com que mais gente participasse do poder. Chamo pirâmide a esses sistemas que nunca se reduzem, ao contrário, precisam sempre espandir para subsistir. Ali uma classe especial foi criada, a classe dos juízes. Juízes não são médicos para serem especiais.

Juízes são especiais simplesmente por conveniência do poder estabelecido. No Brasil, com a liberação das universidades privadas, qualquer um que tivesse possibilidade de comprar um diploma, pôde e se tornou juíz. No Brasil e em todo o ocidente. Tanto que os golpes de Estado continuam sendo baseados nos exércitos, mas têm um aval que lhes dá um brilho especial, a condenação de pessoas inocentes pelos juízes da casta dos juízes: O Lawfair.

Lawfair é o namoro do sistema de poder estabelecido, geralmente baseado na força policial ou militar, com o sistema judiciário. Dobradinha empecável. Um prende sem motivo, o outro condena sem motivo. Um libera um motorista embriagado assassino, o outro libera o assassino de sua pena. O que os dois podem fazser juntos foi visto pelo mundo todo. AMLO está, portanto, certíssimo ao fazer a reforma. Qualquer que for contrário, ou é torpe ou mal-intencionado.

A reforma está em tramitação no poder legislativo mexicano e abrirá uma trilha por onde nem as revoluçoes republicanas não andaram. Esperemos atentos para ver os resultados.